Se o amigo leitor está pensando que está tudo bem para a posse de Lula, no dia primeiro de janeiro, em Brasília, vai se preparando para um terceiro round. Os bolsonaristas empedernidos buscam, fervorosamente, um "terceiro turno" da eleição presidencial, acampados em torno de quartéis, reivindicando uma intervenção militar para evitar a posse do presidente eleito. Conversei com um desses, dos que ainda mantém a bandeira estendida em casa - nada a ver com a torcida em favor da seleção - que me disse que só ficará em silêncio quando Lula renunciar. No "cercadinho" eles admitem que o vice, José Geraldo Alkmin fique no lugar do Lula. Assim, passarão a respeitar o resultado da eleição.
Em verdade, a situação criada por Bolsonaro no país é tão maluca, que ele acredita que o país é um "cercadinho" seu. Veja só, a essa altura, o que aconteceu no Catar com um dos maiores artistas da cultura brasileira, Gilberto Gil, é o retrato do tamanho do ódio que ainda pulula (sem trocadilho) por aí, em todos os níveis. Mais difícil ainda é justificar a perseguição política como se ela nada significasse. O empresário de Volta Redonda Ranier Felipe dos Santos Lemache admitiu que fazia parte do grupo que assediou moralmente Gil e sua mulher, Flora. Ora, de uma vez por todas: tal comportamento é criminoso.Vou pegar bem leve em relação ao tipo de crime e sem preocupação com a tipificação. No mínimo, digo, a partir do ano passado, o crime de stalking é definido como "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade", de acordo com o texto do Código Penal. Pessoas perseguidas permanentemente e a nova lei passou a prever pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de comportamento. As mudanças na legislação foram propostas em um projeto de autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF). De acordo com a nova norma, o crime pode ter a pena aumentada em até 50% quando for praticado contra crianças, adolescentes, idosos e mulheres; quando tiver a participação de duas ou mais pessoas; e em caso do uso de armas. Mas, os assédios contra quem votou contra Bolsonaro, são crimes muito mais graves.
Bem. Vamos em frente. O Centrão, com todo o poder nas mãos, ostenta no presidente da Câmara, Arthur Lira, o seu grande interlocutor. Porém, como disse o jornalista Bernardo Mello Franco, Lira é um bolsonarista com fins lucrativos. Ganhou a chave do cofre e passou a manejar bilhões de reais do governo. Virou dono do orçamento secreto, que Lula definiu como "a maior bandidagem feita em 200 anos". Mas o seu governo chegou à conclusão que não tem como em enfrentá-lo. Os petistas argumentam que o momento requer pragmatismo. Lira já estaria com a vitória garantida, e insistir numa candidatura alternativa só serviria para marcar posição.
Para se reeleger, Lira, o chefão da Câmara montou uma frente amplíssima: conseguiu unir o PT de Lula ao PL de Bolsonaro. Pelas contas, já garantiu mais de 400 votos. Se a previsão se confirmar, será difícil contrariá-lo a partir de fevereiro. Esse acordo garantirá o sucesso da chamada PEC da Transição. É verdade quando se diz que o enigma é que o programa do presidente eleito não se limita a pagar o Bolsa Família. Façamos uma ideia o preço que Lira cobrará por cada uma das outras promessas.
Haja jogo de cintura. O Centrão parece que não tem fim. Como diz o velho sábio político e hoje um homem desesperançado: é o senhor humano...