Sustentação Oral - Proc nº 011.09.003334-8
1. Exmo. Senhor Relator, Eminentes Desembargadores douto Representante do Ministério Público, servidores da Justiça, colegas advogados, senhoras e senhores.
2. Antes de qualquer manifestação quero dizer que é uma honra muito grande estar hoje aqui em presença dos eminentes desembargadores que, sobretudo, dignificam não só este Tribunal, mas também a nossa Justiça como um todo.
3. Esta sustentação, eminentes desembargadores, se propõe, essencialmente, a analisar os fatos com o cuidado e a isenção que eles mesmos impõem. Peço permissão para uma rápida síntese.
4. Os Recorrentes são
funcionários públicos municipais concursados lotados na Câmara Municipal
de Cachoeiro de Itapemirim/ES. Pleitearam, através de ação judicial
proposta por advogados distintos deste escritório, a decretação da
inconstitucionalidade de leis municipais para a manutenção de seus
vencimentos nos patamares de então, já que a Câmara Municipal, por
orientação do Tribunal de Contas, pretendia modular os salários ao nível
do teto e subteto constitucional. As leis municipais preveem como teto o
subsídio do Prefeito Municipal.
5. Com a mudança de advogados, a rigor, o que se pretendeu e se
pretende é a anulação da sentença, essencialmente porque esta não
obedeceu os requisitos substanciais e formais dos quais depende sua
aptidão a produzir efeitos, em relação aos atos jurídicos em geral, nos
planos da existência jurídica, da validade e da eficácia.
6. E mais. Nos termos da r. sentença e como decorrência dela, a partir do mês abril de 2018, a Câmara instaurou procedimento administrativo, passando a descontar, desde então, retroativamente, parte dos vencimentos percebidos em completa boa-fé. O desconto retroagiu a julho de 2015, num total de Duzentos e noventa e dois mil, oitocentos e sessenta e sete reais e cinquenta e dois centavos).
7. Eis o essencial.
8. Examinemos mais de perto. O ilustre magistrado de primeiro grau foi enfático em sua decisão: “(...) JULGO IMPROCEDENTE a presente demanda, por perda superveniente de interesse processual (...)”. Mas, em seguida, no entanto, desferiu ato decisório determinando a devolução de eventuais valores recebidos acima do teto e subteto constitucional estipulado para os servidores municipais, de forma retroativa.
9. Sobre a r. sentença o que eu pretendo dizer, e faço sem qualquer arrogância, é que se trata de uma impropriedade, capaz de causar dúvidas e prejuízos, ao afirmar a existência de fundamentos para não julgar mérito e apesar disso fazer considerações sobre este (obiter dicta). Se falta algum pressuposto de admissibilidade desse julgamento, é dever do juiz se abster de dizer sobre o que decidiria se esse viesse a ser julgado.
10. Barbosa Moreira deixou
lições insuperáveis: “el Estado de Derecho no está autorizado para
interferir en nuestra esfera personal sin justificar su interferencia”.
Ou seja: nenhuma sentença, seja qual for, é capaz, por si só, de
produzir efeitos fora do mundo jurídico, para atingir o mundo dos fatos,
necessita sempre de alguma atividade subsequente, que transforme a
realidade para conformá-la àquilo que se julgou.
11. Cabe a pergunta: Pode a Câmara Municipal de Cachoeiro de
Itapemirim, por determinação da r. sentença, proceder aos descontos,
retroativamente, recebidos desde julho de 2015, de todos valores
recebidos anteriormente e de boa-fé, em contraposição com os precedentes
jurisprudenciais? Este é o nó górdio.
12. É prudente repetir: partir do mês abril de 2018, a Câmara instaurou procedimento administrativo, passando a descontar, desde então, retroativamente, parte dos vencimentos percebidos em completa boa-fé. O desconto retroagiu a julho de 2015, num total de Duzentos e noventa e dois mil, oitocentos e sessenta e sete reais e cinquenta e dois centavos.
13. Ora, a matéria é
pacífica: quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma
lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa
expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos,
impedindo, assim, que ocorra o desconto dos mesmos, ante a boa-fé do
servidor público.
14. No entanto, além dos vícios intrínsecos do ato jurídico, a r.
sentença não possui capacidade de produzir efeitos. Principalmente
porque se confronta com entendimento inteiramente pacífico tanto deste
egrégio Tribunal, assim também como do colendo STJ, no sentido de que
não é lícito efetuar o desconto de diferenças pagas indevidamente a
servidor em decorrência de erro da própria Administração Pública, quando
se constata que o recebimento pelo beneficiado se deu de boa-fé.
16. Aliás, nesse sentido, leciona o eminente e culto relator Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama: “(...) 3) O servidor que percebe de boa-fé verbas indevidas, posteriormente detectadas ilegais pela Administração, não está obrigado a restituí-las se houve interpretação errônea, má aplicação da Lei ou erro da autarquia, na esteira de pacífica jurisprudência desta Corte. Nesse caso, a boa-fé do servidor é presumida, delineando-se de forma ainda mais concreta quando sustentada na petição inicial a ilegalidade do desconto efetuado. (TJES; APL-RN 0002028-50.2012.8.08.0024; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. José Paulo Calmon Nogueira da Gama; Julg. 24/01/2017; DJES 31/01/2017).
17. Assim também o e. STJ de forma inteiramente pacífica: – 1 - A questão recursal cinge-se ao cabimento de devolução ao Erário de valores recebidos de boa-fé por servidor público, considerando que houve erro da Administração. 2 - É firme a Orientação Jurisprudencial do STJ, sob o rito dos recursos representativos da controvérsia, de que, "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra o desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 19.10.2012). 3- Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. 4- Recurso Especial não provido. (STJ - REsp 1.674.998 - (2017/0126339-6) - 2ª T. - Rel. Min. Herman Benjamin - DJe 09.10.2017 - p. 2192).18. Além de os Apelantes terem recebido seus vencimentos comprovadamente de boa-fé, a boa-fé, na espécie, é presumida.
19. Encerro, ilustres desembargadores, excelsa Câmara, requerendo a nulidade da r. sentença, fundamentalmente em relação à devolução da diferença de vencimentos recebidos de boa-fé, mais especificamente do mês julho de 2015 ao mês de julho de 2018.
20. Por tudo isso, confia o
Recorrente, finalmente, que essa douta Câmara, que já deu tantas provas
de independência, dignidade e cultura jurídica, pelos seus eminentes
desembargadores, colocando o direito acima de qualquer dúvida,
restabelecendo a harmonia entre as provas e o direito a fim de que o
processo sirva, e sirva bem, àqueles a quem se destina servir: às
partes, e também à própria sociedade. Obrigado.