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Sustentação Oral - Proc nº 0001570-08.2012.8.08.0000
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ROTEIRO – DEFESA ORAL

I. Saudação

1. Exmo. Senhor Presidente, Exmo. Senhor Desembargador Relator, Egrégia Corte.


II. Citação

2. Inicio a minha fala invocando um pensamento de Paul Klee, qual seja: que nada hoje possa surgir do fel. Deposito hoje nas mãos de Vs. Exas. explicações que, por certo, subsidiarão o julgamento deste processo que possui uma dimensão que o coloca acima das paixões, das informações imperfeitas, do açodamento, do interesse político-partidiário.

3. Essa egrégia Corte, sem dúvida, é o lugar adequado para proferir um julgamento sereno e justo. Isso porque a controvérsia entre um julgamento jurídico e um julgamento político significa a escolha entre o direito e o arbítrio, entre a cerimônia sagrada de culto à lei e um espetáculo infeliz onde a sentença já estaria lavrada de véspera, conduzindo, indiferentemente, culpados e inocentes à guilhotina.



III. Pequeno resumo dos fatos

4. É necessário que se faça um pequeno resumo dos fatos para, enfim, justificar essa sustentação.

5. O então Procurador Geral de Justiça, Dr. Fernando Zardini Antonio, em síntese, apresentou representação visando à intervenção estadual no município de Presidente Kennedy, com lastro nos arts. 35, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 30 e 31, da Constituição do Estado do Espírito Santo.

6. O pretexto fundamental do e. Procurador é que só se justifica a intervenção imediata, pelo que foi delineado, porque o Município não teria condições de governabilidade pois, “atualmente o Município de Presidente Kennedy está sem comando administrativo”.

7. Em face disso, na forma do art. 117, I, do Regimento Interno do e. Tribunal de Justiça do ES, pede que sejam tomadas as providências oficiais que lhe parecerem adequadas para remover, administrativamente, a causa do pedido.

8. Eis, em síntese, o que consta de essencial na representação.



IV. Como tomou posse no cargo

9. Nas informações prestadas, o Prefeito em exercício esclareceu a forma pela qual tomou posse no cargo, no dia 25/04/2012, nos termos do art. 61 da Lei Orgânica Municipal.

10. No Plenário da Câmara Municipal, foi instalada a sessão de posse dos membros da Mesa Diretora. Tomaram posse da Mesa Diretora os seguintes vereadores: Presidente, Jardeci de Oliveira Terra; Vice-Presidente, José Carlos Barreto de Araújo e Secretário Jarcimar Marvila Batista.

11. Em seguida, foi convocada sessão extraordinária, na qual os Vereadores, com fundamento nos arts. 36, IX e 61, da Lei Orgânica Municipal, diante da urgência em dar continuidade aos serviços públicos, decidiram dar posse como Prefeito Municipal, o Presidente da Câmara, Vereador Jardeci de Oliveira Terra.

12. E o fizeram tendo em vista que a Constituição Federal, que restabeleceu o regime democrático no país, transformou a Lei Orgânica dos Municípios – também chamada de Carta Própria – em espécie de Constituição Municipal. No art. 29 da Constituição Federal ficou assegurada a tríplice autonomia política administrativa e financeira do Município. Tanto que a Câmara Municipal, para escolha do novo Prefeito, utilizou os arts. 36, IX e 61, da Lei Orgânica dos Municípios.



V. O que foi feito

13. Em suas informações, o Prefeito fez questão, de forma desapaixonada e isenta, mostrar um quadro minucioso e comparativo da situação que encontrou a Prefeitura e com o que fora realizado durante os 15 dias que esteve à frente da Administração. Hoje poderia mostrar que o trabalho foi aprofundado.

14. Mostrou, por exemplo, que suspendeu todo tipo de pagamento para analisar, técnica e legalmente, cada um dos processos que estava pendente e também os que foram pagos. Cancelou todas as licitações e determinou o reexame de todos os contratos. Nomeou comissão para examinar cada processo. Reduziu as 21 Secretarias para 12, extinguiu centenas de cargos em comissão, criou o Controle Interno Municipal, está dando início as obras prioritárias para atender à população.

15. Manteve todos os serviços essenciais, além da saúde e educação. Promoveu procedimento administrativo disciplinar contra todos os servidores administrativos denunciados na operação “Lee Oswald”.



Um novo plano de cargos

16. Nos últimos dias, no seu imprescindível e inarredável papel de informar, a imprensa vem divulgando os vultosos salários incrustados num plano de cargos e salários elaborado sob a égide da corrupção, da deturpação, da decomposição, na qual chafurdava o Município. Foi uma herança cruel deixada.

17. Porém, o Prefeito Municipal já encaminhou à Câmara Municipal, em regime de urgência, 2 Projetos de Lei corrigindo as distorções salariais escandalosas, extinguindo gratificações inconstitucionais e imorais, inclusive a do Procurador Geral do Município, com redução da folha de mais de R$ 150.000,00 por mês. Através de Lei, criou a Auditoria Interna, que será ocupada por funcionários efetivos até que haja concurso público para Auditor.

18. E isso foi mostrado na farta documentação que juntou nas informações e que serviram de base para elas. As informações foram protocoladas no dia 09 de maio. De lá para cá o trabalho foi intenso em todas as frentes administrativas e a Prefeitura hoje funciona normalmente em sintonia com a população.

19. Nas informações os eminentes e ilustres Desembargadores poderão ter acesso a um quadro real e imparcial do que existia antes e depois da posse do Prefeito em exercício. Por exemplo, foi listado cada processo pendente com a devida comprovação. Cada Secretaria apresentou um relatório do trabalho desenvolvido nesses dias. E quero frisar, por fundamental, que esse trabalho é ininterrupto e acompanhado diariamente através de relatórios entregues ao Prefeito.

20. Em síntese, houve uma adequada centralização do planejamento e uma descentralização da execução tendo em vista a necessidade de separar o importante do fundamental porque o tempo é curto e os problemas causados pela Administração anterior, como mostraram as denúncias, são enormes, um verdadeiro tsunami que quase arrasou o Município.

21. Esse é o desafio que tem enfrentado o Prefeito com o trabalho incessante e inteiramente transparente.

22. O Prefeito conseguiu manter serviços essenciais funcionando, a Administração já está seguindo o seu caminho normal e a convivência com a população é a melhor possível, justamente porque o novo estilo de governar chegara ao Município.

23. O clima em Kennedy é de harmonia. Além de corrigir uma série de distorções, espancar as mazelas, o Prefeito colocou a máquina Administrativa, tanto quanto possível, deslizando nos trilhos da seriedade, da competência e da moralidade pública, de forma autenticamente republicana.


VI. Quem é o Prefeito

24. É importante dizer também que, tudo isso aconteceu em razão do próprio temperamento do Prefeito. Uma pessoa equilibrada, que exerceu 3 mandatos de Vereador, sem qualquer mancha em sua reputação de político e homem público. Não há ninguém que possa apontar uma atitude açodada ou arbitrária do Prefeito. Mesmo diante de uma situação dramática e de pressão de todos os lados, em momento algum violou a Lei, os princípios constitucionais que norteiam a Administração Pública, além dos princípios do contraditório, a ampla defesa. Absolutamente, mesmo às vésperas das fervilhantes convenções municipais para escolha de candidatos ao próximo pleito, o Prefeito coonestou com o erro.

25. Eminentes Desembargadores, Egrégio Tribunal, eu que atuo apenas na defesa deste processo de Intervenção posso lhes dizer, categoricamente, que convivi esses poucos dias como um homem de bem e consciente da grave responsabilidade que pesa sobre os seus ombros.

26. O trabalho que vem imprimindo da Administração tem a sua própria característica, e se pudesse invocar aqui um aforismo, bem surrado, eu diria que a Administração de Presidente Kennedy hoje reflete o que Buffon dizia: O estilo é do próprio homem.


27. Mesmo vindo com as razões do interior do Estado, de um Município violentado pela corrupção, pelos desmandos e pela vergonha nacional, eu me permito dizer, como nas regras de ouro do passado, que os antigos se valiam de um ponteiro ou haste metálica para escrever sobre tábuas enceradas. Para este efeito, uma extremidade desse pequeno instrumento, chamado de 'stylus' pelos latinos, terminava em ponta, com a finalidade de gravar a cera e a outra extremidade, em forma de espátula, para espalhá-la e poli-la, quando fosse conveniente. Mais tarde, por metonímia, o nome desse instrumento veio a servir para denominar o modo peculiar de falar, de escrever e de agir. Aliás, como vem sendo feito atualmente em Presidente Kennedy.

28. Creiam, então, eminentes e cultos Desembargadores e colenda Corte, que, a ordem foi inteiramente restabelecida, não há qualquer instabilidade por isso a intervenção não faz senso algum. A intervenção é remédio processual constitucional destinado a repor estado de coisas desestruturado por atos atentatórios à ordem definida por princípios constitucionais de extrema relevância.

29. Se tal ordem já foi restabelecida a Representação que dizia “que o Município de Presidente Kennedy está sem comando”, na palavra do então Procurador Geral, perdeu seu significado, perdeu seu sentido, perdeu seu objeto. Hoje Presidente Kennedy, graças a Deus, vive em normalidade, possui comando adequado, justo, equilibrado e honrado.


VII. A Intervenção e o Direito

30. José Afonso da Silva, ensina “Intervenção é antítese da autonomia. Por ela afasta-se momentaneamente a atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou Município que a tenha sofrido. Uma vez que a Constituição assegura a essas entidades a autonomia como princípio básico da forma de Estado adotada, decorre daí que a intervenção é medida excepcional, e só há de ocorrer nos casos nela taxativamente estabelecidos e indicados como exceção ao princípio da não intervenção (...)”.

31 O Ministro Celso de Mello, em seu voto (julgamento da IF 2.915-5 do Estado de São Paulo) registra que “Cabe destacar, neste ponto, o magistério doutrinário, que, fundado na necessidade de respeito ao princípio federativo, adverte sobre a excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter extremamente perturbador que assume qualquer interferência do Governo Estadual nos assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Municípios.

32. No mesmo sentido o então Ministro Néri da Silveira. (IF nº 114, Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, j. em 13.03.1991, pub. No DJ de 27.09.1996.).

33. Manter o Prefeito em exercício no cargo, induvidosamente, é medida completa harmonização, amoldamento e adequação que a ruptura na condução administrativa por eventual administração de um interventor. Ou, como enfatiza o e. Ministro Gilmar Mendes, “Pode-se presumir, ademais, que preservar a chefia do Estado será igualmente eficaz à eventual administração por um interventor, ou, ao menos, não se poderia afirmar, com segurança, que a administração de um interventor, sujeito às inúmeras condicionantes já apontadas, será mais eficaz” que a atuação do atual Prefeito em exercício.

34. O e. Ministro, oportunamente, sublinha que é sempre necessário indagar se a medida extrema da intervenção atende, no caso, às três máximas parciais da proporcionalidade. Demonstrará, fartamente, na espécie, que a intervenção sequer consegue ultrapassar o exame da adequação, o que evidencia a ausência de proporcionalidade.


Não há mais qualquer instabilidade político-administrativa

35. Por tudo que foi demonstrado na breve Prestação de Contas, fica evidente que os serviços públicos estão sendo oferecidos à população, com presteza e continuidade habituais, medidas saneadoras estão sendo tomadas em prazos curtíssimos.

36. Ora, nesse caso, indiscutível que a intervenção fere a autonomia do Município, com violação do princípio federativo. Repita-se: isso porque, apesar da crise política, os serviços públicos estão sendo oferecidos com a presteza e a continuidade habituais, e não haveria movimentos populares ameaçadores da ordem pública estabelecida ou da integridade física do povo. Nesse contexto, o pedido de intervenção deixaria de lado a sua natureza vinculante e passaria a constituir exercício de mera conveniência.

37. Além disso, o poder político municipal continuaria a ser baseado na vontade do povo, uma vez que os vereadores do Município foram devidamente eleitos pelo voto universal, secreto e periódico e têm exercido suas funções livremente. Diante disso, o povo continuaria a ser o titular do poder e continuaria a exercê-lo, por meio de seus representantes.

38. É de se alegar que o pedido de intervenção do Procurador não observa o princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, a intervenção estadual não seria necessária, pois há meios alternativos menos gravosos e mais eficazes ao fim pretendido, consistentes na utilização das soluções previstas na Constituição da República e na Lei Orgânica. A intervenção estadual também não se afiguraria adequada ao caso, pois a nomeação de um interventor não propiciaria que os gestores da coisa pública prestassem contas ao povo.


39. Ademais, faltaria à intervenção estadual o requisito da proporcionalidade em sentido estrito, pois não há proporção entre o objetivo pretendido - consistente na observação da forma republicana, do sistema representativo e do regime democrático – e o sacrifício imposto ao Município e a toda a sua população de retirada de sua autonomia política e do poder de se autorreger e de criar a sua organização interna.

41. E, nesse contexto, portanto, não há como refutar o argumento de que eventual intervenção federal, decretada ao arrepio da Constituição ou de modo desarrazoado, pode, sob pretexto de restabelecer o equilíbrio da Federação, produzir efeitos desestabilizadores do próprio e, até, sua desnaturação.

42. É que a decretação de intervenção federal não opera por só subsunção de fatos e normas, mas demanda complexo juízo lógico-jurídico que, pela natureza mesma da intervenção como remédio jurídico-político, precisa considerar eventual modificação do seu suporte fático no curso do processo, em decorrência de efetiva atuação e diligencia dos Poderes e das instituições constitucionalmente estabelecidas, sob causa ou motivo original.

43. Assim, não basta a alegação da ocorrência de circunstâncias graves, capazes de, em tese, por em risco a higidez dos princípios constitucionais, à decretação da representação interventiva, pois a procedência desta tem de estar condicionada à omissão ou à ineficácia permanente de medidas político-jurídicas para saná-las, de modo a persistir, à época do julgamento, a situação histórica primitiva, só reparável por via de intervenção, sob pena de esta já não guardar razão de ser.


VIII. Palavra Final

44. Tenho a profunda consciência de que a generalização – principalmente no momento político que se vive – atinge os políticos de forma implacável, sendo difícil até separar “o joio do trigo”.

45. Reconhece-se, também, como observa Titta Mazzuca, em seu citado “Anatomia dell’errore giudiziario”, que é difícil resistir a esse tipo de coerção. Entretanto, proclama o jurista italiano que “il giudice deve resistervi”, e julgar de acordo com a prova e a lei.

46. Confia-se, finalmente, que esse egrégio Tribunal, através de seus eminentes, honrados e cultos Desembargadores, independentemente de convicções e conveniências políticas, escreverá mais uma página de sua história colocando a democracia acima da tormenta. E se assim agir, quando passar esta tormenta, o povo, que é sábio, respeitará a justiça muito mais, porque teve a coragem de ser justos.
 

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