Os refletores do estádio onde os políticos cachoeirenses produzem o espetáculo reservado à política estão se apagando: morreu ontem Roberto Valadão. Claro que não me disponho a fazer uma transcrição biográfica, mas Valadão registrou parte significativa de nossa história política. Sobretudo no período ditatorial, quando decidiu morar em Cachoeiro, vindo do Rio de Janeiro, com grande experiência em política estudantil.
Comandou a Casa de Estudante, onde moravam estudantes que estudavam em Cachoeiro, mas decorriam de municípios próximos. Como é o caso, por exemplo, de José Carlos Carvalho, que, posteriormente, chegou a ser ministro do governo de Fernando Henrique Cardoso, passando pela escola de Aécio Neves, em Belo Horizonte. Veio para Cachoeiro, quero crer, a pedido de sua mãe, que comandava o Cartório de Registro de Registro Civil, localizado na Rua Moreira. Ali ficou grande tempo. Recebia as pessoas com paciência e dedicação, ao mesmo tempo em que fazia política estudantil de forma dedicada, se preparando para o cenário político futuro.
Vereador, deputado estadual, federal e prefeito: sua trajetória foi marcada e orientada por duas faces de seu temperamento: afável e opositor implacável. Um momento decisivo de sua trajetória foi quando, estrategicamente, o MDB, de oposição à ditadura militar, o escolheu para ser vice de Hélio Carlos Manhães, na eleição de prefeito, de 1970. Tudo começou aí. Daí para frente foi formando, como diria, sua estrutura com perfil próprio, que o permitiu passar, como disse e repito, de vereador a deputado estadual, federal, vencendo a eleição para prefeito duas vezes.
Pude conviver muito de perto com ele. Seu legado possui muitas vertentes. Seu maior adversário, aqui em Cachoeiro, sempre foi Teodorico de Assis Ferraço. Situações muito delicadas atingiram sua família durante a ditadura militar, mas, por temperamento, nunca deixou transparecer vingança ou ódio, mas luta implacável em busca da democracia.
Lembro-me bem que, na elaboração de seu plano de governo, que serviu de slogan para a primeira campanha de prefeito, fui a Vitória ajustar a edição do material. Voltei de lá com um orçamento para edição do programa, que seria, em síntese, o mote da campanha. Não tínhamos dinheiro para pagar, nem o profissional que elaborou publicação, nem a gráfica. Mas ele gostou tanto, que acabou vendendo seu carro. Só assim conseguimos editar e imprimir, como criar um slogan de campanha: "Valadão, um plano de governo".
Outro fato que não me sai da memória. Foi processado por crime contra a honra, por um jornalista-político. Ficamos elaborando a defesa à noite inteira. Foi aí que lembrei de uma frase, de um velho professor, que passou a ser a síntese da defesa: "Reta é a linha do dever/ curva é a linha do dever/segue sempre a linha reta/ que a curva te seguirá". Era o farol da defesa, pois os fatos convergiam para a citação".
Claro que as memórias amargas ficarão por conta do esquecimento, quem não as tem? Mas, a rigor, depois de um tempo distante, fui procurado por ele, no exercício da advocacia. Conversamos longamente sobre as novidades no campo jurídico, ao qual me dedicara e corpo e alma. Sobretudo sobre temas que atingiam o exercício da política. Ajustamos passado, presente e futuro, numa conversa que só o tempo desfaz.
Para despedir, chamamos Ulisses Guimarães para participar da conversa. Com lágrimas lembramos: "O homem público é o cidadão de tempo inteiro, de quem as circunstâncias exigem o sacrifício da liberdade pessoal, mas a quem o destino oferece a mais confortadora das recompensas: a de servir à Nação em sua grandeza e projeção na eternidade".