Crônicas
Fecundando a cultura
2022-08-22 05:27:19

Um pouco por timidez, outro tanto em razão da vida frenética de advogado, recusei – não, recusei não é a palavra certa... digamos que eu “os enrolei” - os convites do prof. David Lós e do então juiz Solimar Soares da Silva para ingressar na Academia de Letras de Cachoeiro.

Maior vergonha sentia com a professora e querida amiga Ariette Moulin. Não sabia o que dizer pra ela, com aquela doçura toda... Até que um dia, com seu ar de dirigente, Marilene Depes me disse: “- Estou passando aí pra pegar seu currículo”. Era uma ordem. Tanto que cumpri imediatamente. Quem conhece Marilene sabe a exata medida do que estou falando. Aliás, diga-se, Marilene tem escrito crônicas primorosas em todos os sentidos. Morri de inveja da crônica sobre Maria Laurinda. Com ares de firmeza combateu o preconceito racial em relação à Maria em uma solenidade.

Não fujo do assunto. Mas vou falar da Academia que completa 60 anos.  Nessa convivência, pude perceber, quase sempre em silêncio, que a Academia não é formada por pessoas contemplativas, como o preconceito pode anunciar.  Posso citar um exemplo que muito me marcou e que levou essa mensagem para o estado e para o país: o magistrado e querido amigo João Batista Herkenhoff, que, afinal, pode representar, com muita honra e dignidade, tenho certeza, todos nós.  Aliás, é pássaro de imensa envergadura. Lutou, de sua trincheira, a favor da democracia contra a ditadura militar, também e sobretudo contra as desigualdades sociais. Todas as lutas que hoje empunhamos, contra preconceito racial, por exemplo, ela já proclamava em suas inesquecíveis sentenças, com a coragem de poucos.   Era uma luta de coragem, histórica e digna. Se a lei era injusta, ela sabia distribuir a justiça. Como em Isaias: “Pois eu estou criando um novo céu e uma nova terra; o passado será esquecido, e ninguém lembrará mais dele”.

Aliás, Joãozinho, que nosso bairrismo me permite tratar assim, que todos nós respeitávamos aqui na Escola de Comércio e em todo o país, foi um dos fundadores de nossa academia.  Ali mesmo na Casa do Estudante. Quer lugar mais propício para se criar uma academia? Tinha que dar certo. Hoje integra a Academia de Vitória. Lembro-me bem que, do seu discurso na Câmara Municipal (1985), quando foi cachoeirense ausente, o advogado Galdino Theodoro da Silva emplacou a frase: “Pronto, Joãozinho começou o mundo que todos queremos”. Discurso inflamado e altamente politizado.

Por isso digo: muitas vezes o próprio acadêmico não percebe que está fecundando a cultura e continua sendo, até o passado mais próximo, infinitamente mais importante do que seria permitido pressagiar diante da profundidade do seu espírito ou a importância de sua personalidade.   Viva os 60 anos da Academia!

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