Mineira como minha mãe, sempre tive grande admiração pela ministra Carmem Lúcia, do STF. Tanto fiz que acabei a conhecendo, em Belo Horizonte, quando ela ainda não era Ministra. Foi através de uma Juíza amiga minha e dela. A conversa foi longa. Muita mineirice, mas um alto grau de discrição, inteligência, cultura e elegância. Sabia tudo de direito administrativo, pois àquela época era procuradora do estado. Quando morei em Brasília, fui a seu Gabinete, apenas e tão somente para cumprimentá-la. Fui muito bem recebido e fiquei feliz porque ela me reconheceu na hora. Muito mais pela juíza que me apresentou do que por este pobre advogado do interior. Hoje, se me permitem, um novo encontro no livro “O Judiciário do nosso tempo”, editora Globo Livros.
Em entrevista à Miriam Leitão, também mineira, ministra Carmen Lúcia pontuou que “a cidadania mudou. Eu fui estudante de direito na década de 1970. Os professores diziam ‘melhor um mau acordo do que uma boa demanda’. Hoje o cidadão sabe do seu direito e passou a reivindicá-lo. Porque não se reivindica direito desconhecido. Houve um crescimento da própria cidadania, com a Constituição de 1988. Ele quer um bom acordo ou uma boa demanda. Ele já não quer um mau acordo, abrindo mão daquilo que frustra a sua ideia de Justiça. Isso leva a uma procura maior pelo Poder Judiciário, o que é muito positivo. Imagina uma sociedade na qual nós conquistamos direito, formalizamos direito, mas o titular do direito, que é o cidadão, não se dá conta dele. Direito não cai do céu, não sai do inferno. Direitos, deveres e responsabilidades são conquistas civilizatórias”.
Vale a pena ler mais. O ministro Luís Roberto Barroso fez uma lista dos julgamentos históricos. O das cotas raciais, da homofobia como crime, da proteção dos indígenas e os da liberdade de expressão. Poderia falar desses avanços? Reponde a Ministra que “Esses julgamentos tidos como históricos garantiram direitos, para chegar ao amadurecimento democrático social e institucional. Vou tomar o exemplo das cotas. Quem não se abria para que toda a sociedade cumprisse o que está no artigo 1º da Constituição, o pluralismo, precisou se abrir. O plural faz parte do ser humano. Para usar expressão do Norberto Bobbio, o jogo democrático é isso. O diferente não é o inimigo, o diferente é alguém que pensa outra coisa, e pode me convencer. Só o ditador, só o tirano quer pegar a bola do meio do campo, botar debaixo do braço e acabar o jogo. Só o tirano mata quem é diferente. O democrata quer até ganhar o jogo, mas com as regras do jogo. Então esse julgamento histórico faz com que haja a presença daquele que hoje é minoria, que não ganhou ainda no jogo, mas quer também fazer valer seus pontos de vista e nos convencer. A democracia é assim.
Sem dúvida, aconselho: vale a pensa ler o livro.