A vinda cedo para o escritório é sempre... um filme rápido. Ainda no carro penso – e revejo - o terror do convívio humano lançado pelo velho amigo que chegou do Rio para me fazer uma visita. De repente, num café, na situação mais cotidiana, a percepção vertiginosa do enigma, da ausência de equilíbrio amoroso em tudo e em todas as coisas. Os homens e mulheres estão sentados, simplesmente, e comem. Há, contudo, no ar, expectativa de um grito aterrorizante – uma vez que ele desencadeia, como um salto de pantera. Gritos vindos das mesas de granito, granito de pouca qualidade. Tudo isso entre açucareiros partidos, restos de comida e olhos atônitos e esbugalhados. É um assalto. O carro sobe o morro da igreja e a cena muda. Vou ainda ao encontro de um passado. “Devagar... as janelas olham”. Padre Jeferson, Padre Murilo, Osvaldo, o coroinha, Lamparina. Hoje, o menino lavador de carro de minha infância, alcoólatra em recuperação, reza compulsivamente para se livrar do vício implacável. Fico pensando. A ciência descobriu que o remédio é parar de beber. Só? Só. O velho Dr. Albino já me dizia isso com ar de triste soberba. O pensamento ganha velocidade. Estou próximo do escritório no bairro onde morou a burguesia. Hoje é silencioso, um pouco pela pandemia, um pouco porque as pessoas estão tristes mesmo. Atualmente até o estacionamento é pago, onde ontem se estendia uma corda nas árvores e jogávamos vôlei na rua.
Já bem próximo ao escritório aquela mulher, com alívio, varrendo a sua calçada. Como nos velhos tempos. Acho até que sente falta das cadeiras na calçada, onde conversava com as amigas até as 9h da noite. Não tinha a novela a que assistir. Bem cedo seguia para o mercado. Aguardava minha mãe. Escolhiam as verduras para o almoço, as frutas e ainda se podia comprar carne. O bom dia do velho Atílio Fabris. Depois ia até a igreja fazer a sua oração. Sinto que ela é uma espécie de administradora da matriz. Se não for, melhor que seja.
Chego ao escritório com ar preocupado. E lá vem ela, surge o bom dia, com sorriso, dizendo: “olha como a vida é bela”. Traz dentro de si uma claridade, que vem lá de dentro mesmo, que irradia uma luz harmoniosa, esperança acesa, balizas, uma espécie de provisão de amor; calidamente, a ansiedade de viver. Penso, sem angústia, se a alma é um labirinto, a presença dela, aqui bem perto de mim, de nós, é um aprendizado suave de... itinerário? Ainda que não se encontre saída, o que acho impossível, não se pode perdê-la de vista. Se penso em perdê-la ... logo a encontro. Afinal, ela ensina a curtir o labirinto. A cada tempo a sua música. Ternura temerosa de seus belos olhos verdes. Cá de dentro ainda ouço o barulho da vassoura varrendo... varrendo a calçada... Sim. É ela.