Não sei se Marilene ou Regina concordam, mas o jornalista e escritor Joaquim Ferreira dos Santos, por sinal um dos grandes amigos de Rubem Braga, anuncia que, por absoluta falta de amenidades a relatar, estão morrendo também os cronistas de amenidades. Explico-me. Diz ele que era o sujeito encarregado de ir ali na esquina procurar assunto, puxar angústia sobre o amor que acaba, e descrever tudo isso como se calçasse pó de nuvem nos sapatos. Era o arauto, o sabiá laranjeira da insuperável leveza de flanar sobre os aborrecimentos cotidianos. Relata que ontem pela manhã ele foi ali mesmo onde ia sempre, abrir a janela para se impregnar da brisa perfumada da suspensão dos problemas, respirar a poesia solta no ar cotidiano. Constrangeu-se com a insensatez da tarefa e o medo de ser identificado como autor de crônica numa hora dessas. O ar tinha ficado irrespirável. Havia gente roubando respiradouros dos hospitais e outros tantos tomavam copos de leite para se manifestarem orgulhosamente racistas. Foi aí, então, que, sufocado, o cronista de amenidades veio a óbito, explica Joaquim. Morte triste e dolorida. Dito isso, um amigo (?) sugeriu – vejam vocês … – que eu escrevesse uma crônica imaginando como Rubem estaria sentindo a pandemia. Ora, o que eu posso imaginar, a rigor, que, por si por si próprio e pela indignada vontade de se mostrar solidário ao sofrimento de todos, o cronista (eu disse cronita) estaria morto. Como Joaquim, o cronista morreria sufocado por um acúmulo de comorbidades, vítima da certeza desiludida de que as forças do mal haviam se acumpliciado para a asfixia geral. Não haveria ventiladores suficientes para manter o voo dos bem-te-vis arejando a página do jornal e preferiu se armar de todas as exclamações, todos os verbos de raiva e protesto. Deixou de se fazer ameno, nem aí para a inspiração do azul incrível das manhãs de outono no Rio. Ou, como ele próprio confessaria: – Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo. Triste né?