Wilson Márcio Depes
É muito difícil escrever em tempos de pandemia. Por vezes acho até que é difícil pensar. Os pensamentos e as ideias se embaralham. Você fica pressionado pela incerteza e aflição. Tenho trabalhado, porque as novas técnicas permitem. São consultas, pareceres, adiantamento de petição para evitar acúmulo, mas não é a mesma coisa. O contato pessoal é necessário. Você olha no olho das pessoas. Entre uma consulta e outra, uma petição e outra, há o noticiário, geralmente através da televisão, que me atordoa. A sensação que tenho – e quero ser sincero sem qualquer ofensa – é que os profissionais da saúde, embora lutem com vigor inusitado, também estão perdidos. Viajam num oceano de incertezas. Um amigo médico, logo no início, me liga perguntando se seu tinha “A peste”, de Camus. Disse que sim. Mas ia procurar na minha biblioteca totalmente desarrumada. Livro que havia lido na adolescência. A partir daí o pânico me pegou, porque tenho recordações das mensagens contidas no livro.
Em “A peste”, escrito em 1947, o prefeito bota a cidade toda de quarentena. E ninguém mais pode entrar ou sair. O livro destaca a mudança na vida da cidade de Orã, na Argélia, depois que ela é atingida por uma terrível peste, transmitida por ratos, que dizima a população. É inegável a dimensão política deste livro, um dos mais lidos do pós-guerra, uma vez que a cidade assolada pela epidemia lembra a ocupação nazista na França durante a Segunda Guerra Mundial. É uma obra de resistência em todos os sentidos da palavra. Narrado do ponto de vista de um médico envolvido nos esforços para conter a doença, o texto de Camus ressalta a solidariedade, a solidão, a morte e outros temas fundamentais para a compreensão dos dilemas do homem moderno.
O assunto não é próprio para essa hora, quando um Presidente, insolitamente, embora não querendo porque pensa a todo tempo em sua reeleição, foi obrigado a se submeter à ciência e às medidas de preservação da vida adotadas pelo mundo todo. Seja o que Deus quiser.