Wilson Márcio Depes
Noto que estou ficando menos intolerante. Já suportei, quieto, sem dizer nada, até hoje, a goma negra contaminando as praias. Assustadoramente. O capitão disse que é uma atitude criminosa contra seu governo, circulando o espaço que uma eventual paranoia pode fazê-lo. O ministro do Meio Ambiente, por sinal, estava, segundo sua própria agenda, gravando o hino nacional. E a goma negra avançando. O ministro Ricardo Sales foi mostrar lá fora que o desmatamento da Amazônia é coisa de comunista. Já se passaram mais de 50 dias de completa inépcia até que, domingo, assisti a uma coletiva e nada foi esclarecido. Paradoxalmente, fiquei mais inseguro. Até que a Justiça, diante desse quadro, determinou ao governo federal que tomasse alguma providência. O ministro Salles, agora, tem ordem judicial para trabalhar. Vamos esperar, portanto, o que vai acontecer diante da “obra criminosa dos comunistas” que, afinal, querem inviabilizar o governo do capitão. Enquanto isso, mais importante que esse grave acontecimento, o presidente e seu filho estão brigando dentro de seu próprio partido (PSL), cada um buscando quem vai administrar o naco prodigioso que a Justiça Eleitoral distribui para os partidos, resultado do dinheiro de nossos impostos. No final da crise eleitoral todo mundo já sabe: uma distribuição de cargos resolve tudo. Mas, enquanto isso, a goma negra invade as praias. Tal acontecimento, sem dúvida, assusta a todos, mas, ao que parece, não é uma prioridade do governo. Eu, de minha parte, fico pensando, individualmente, que estou menos intransigente, mas que é assustador, não tenho dúvida. Vejo os técnicos, em entrevistas, assustados com sua própria inépcia, mas sem admiti-lo. O máximo que se explica é que “nunca aconteceu um fenômeno desses no mundo”. Razão pela qual, entendo, “estamos constritos em nossa perplexidade”. O que me comove, no entanto, é a população querendo participar, oferecendo ajuda, sem saber o que fazer. Mas, como diria a Simone de Beauvoir, na voz de Fernanda Montenegro, “não vivemos em tempos mortos”. Ou, por outra, não quero viver em tempos mortos. Ainda bem.