Wilson Márcio Depes
Outro dia a Marilene me perguntou se depois que escrevo a crônica para esta revista penso na seguinte. Irresponsavelmente disse que não. Depois fiquei pensando. Não sei se por ter sido jornalista, o dia a dia superava e tornava anacrônico os fatos. Aquilo que pensara de manhã à tarde já era matéria requentada. Mas a crônica, ao contrário, é eterna. Veja lá Rubem Braga, Drummond, Clarice Lispector, Cony. Então, eu estou errado e ela, certa. O leitor merece o cuidado que ela oferece. Posso mudar de assunto? Olha, eu que trabalhei no Senado e frequentava a Câmara Federal, posso dizer que nunca vi um Congresso tão ruim como este de agora. Com raras e honrosas exceções, porque nunca é tarde para fazer uma ressalva. Até mesmo para conseguir ouvir uma entrevista ou um discurso é uma lástima. Pessoas completamente despreparadas. São essas pessoas que vão votar, por exemplo, o “pacote” do Ministro Sérgio Moro. Moro quer trazer para o Brasil, melhor dizendo, para o Direito brasileiro a instituição saxônica das “soluções negociadas”. Em síntese, permitem um acordo entre réu e a promotoria. O cidadão reconhece sua culpa, negocia a redução da pena com o promotor e com isso descongestiona-se o Judiciário. Na teoria, faz sentido. Na prática, como observa Elio Gaspari, toda importação de regras do Direito saxônico equivale a tentar calçar um par de stilettos de Christian Loubotin nos pés de um jogador de futebol.
Tenho uma experiência curiosa sobre a prática de negociação entre réu e Ministério Público. Na iminência de um acordo que reduzia uma eventual pena de 16 anos para 8, cheguei no momento, como advogado, e disse que meu cliente era inocente e, por isso, não tinha cabimento tal negociação. Final da história: o cliente foi absolvido pelo Tribunal de Justiça do Estado. Sem dúvida que tal negociação pode ser um sonho de consumo. Porém, no Brasil leis suecas convivem com uma realidade haitiana.
Crônica Revista Leia - Publicada em 09-12-2019