Wilson Márcio Depes
Uma fiscalização do Conselho Regional de Medicina do ES revelou que 54% dos estabelecimentos de saúde, absurdamente, não possuem aparelhos para medir pressão arterial. Dentro de outro ângulo, preciso registrar que, de forma injuriosa ou não, já se fala, com frequência: “não há advogados de porta de cadeia, mas de porta de hospitais”. O assunto merece uma reflexão técnica para que não seja cuidado nesse nível, com agressões descabidas e muitas vezes sem fundamento por ambos polos. Ora, de uma maneira geral as ações de responsabilidade civil contra médicos e profissionais de saúde vêm crescendo assustadoramente. Não só isso. Acende também o privilégio às pretensões dos pacientes. Não tenho críticas a fazer sobre tal fato, afinal legem habemus, ou seja, temos lei. Gosto da assertiva, se não me engano, de Maria Celina, de que os conceitos jurídicos não têm essência e sim função: eles se concretizam ao longo do tempo e se amoldam às necessidades da sociedade. No caso do médico, por exemplo, a doutrina e a jurisprudência, vêm mantendo o entendimento que a natureza da responsabilidade civil em relação a essa atividade é do tipo subjetiva. Afirma-se que a responsabilidade do médico (bem como, de forma geral, de todos os profissionais liberais) é do tipo subjetivo - vale dizer, exige-se a prova da intenção de causar dano ou da conduta negligente, imprudente ou imperita (em uma palavra lato sensu do agente) para o surgimento do dever de indenizar.
São lições do professor Caio Mário da Silva Pereira atualizadas por Gustavo Tepedino que a obrigação do médico, que é chamado a atender a um cliente, não constitui (salvo na cirurgia estética) uma obrigação de resultado, porém uma obrigação de meios, ele não assume o compromisso de curar o doente (o que seria contra a lógica dos fatos), mas de prestar-lhe assistência, cuidados, não quaisquer cuidados, porém conscienciosos e adequados ao seu estado. Somente haverá a responsabilização se restar comprovada e provada qualquer modalidade de culpa. Ora, daí o rigor da jurisprudência na exigência dessa prova. Ao prejudicado incumbe a prova de que o profissional agiu com culpa, nos termos do art. 951 do Código Civil. No mesmo sentido dispõe o art. 14, §4º do Código de Defesa do Consumidor: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” Relevante e preciso deixar bem claro é que embora o contrato médico integre o gênero “contrato de prestação de serviços”, o seu conteúdo atende à especialidade própria a esse campo da atividade humana, não se confundindo com qualquer outro ajuste de prestação de serviços, até porque não há o dever de curar o paciente. Por isso concorrem elementos e fatores que distinguem a culpa do médico da exigida para responsabilizar integrantes de outras profissões. A obrigação principal consiste no atendimento adequado do paciente e na observação de inúmeros deveres específicos. O dever geral de cautela e saber profissional próprio dos médicos caracterizam o dever geral de bom atendimento. Dele se exige, principalmente, um empenho superior ao de outros profissionais.
O Tribunal de Justiça do Estado mantém essa posição. Doutrina o eminente Desembargador Annibal de Rezende Lima, do e. TJES, que a responsabilidade do médico é, em regra, examinada sob o aspecto subjetivo, isto é, a responsabilização civil dependerá da existência de culpa do profissional, ex vi do art. 951, do Código Civil, bem como do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Inobstante tudo isso, como já se disse, os conceitos jurídicos não têm essência e sim função: eles se concretizam ao longo do tempo e se amoldam às necessidades da sociedade.
Artigo Publicado dia 05/07/2018 - Jornal Século Diário.com